Numa tarde ensolarada, cheguei ao consultório médico apenas para obter uma simples informação e acabei embarcando numa viagem nostálgica ao passado. A espera, que já se anunciava interminável desde as 14:30 até às 17:15, de repente ganhou um propósito inesperado. Rodeado por um mar de revistas desatualizadas e sob a luz fluorescente que parecia piscar ao ritmo dos meus crescentes suspiros de impaciência, resolvi esboçar um artigo sobre gírias dos anos 50 e 70.
► NOVIDADE: faça parte do canal do Interiorano no WhatsApp (clicando aqui). Foi quando reparei nos diversos idosos que compartilhavam comigo aquele espaço. Sem cerimônia e movido por uma curiosidade súbita, dei início a um diálogo que transformaria profundamente minha percepção daquela tarde tediosa. Dona Olímpia Maria, com seus 88 anos de sabedoria e espiritosidade, explicou-me que "bafafá" era a palavra-chave para ilustrar qualquer confusão ou fofoca digna de nota na sua juventude vibrante.
Não demorou para que outros entrassem na conversa, cada um mais ansioso que o outro para compartilhar seu próprio relicário de termos. Seo Melquíades Santos, um senhor de 70 anos com uma vivacidade de dar inveja a muitos jovens, relatou como era ser chamado de "barbeiro" quando o assunto era conduzir seu antigo Fusca pelas ruas de paralelepípedos da cidade. E continuou o falatório dizendo que deliciava-se com termos como "tutu", para dinheiro, e "barra pesada", uma expressão que ressaltava a dificuldade das adversidades enfrentadas, mas sempre com uma risada que ecoava pelas paredes do consultório.
No momento em que a palavra "arquibaldo" foi lançada ao ar, um silêncio curioso se instalou. Um senhor, que observava tudo na última fileira de cadeiras, ergueu a mão e com um sorriso maroto revelou sua familiaridade com a palavra e explicou que era para adjetivar os torcedores fanáticos e frequentadores assiduos dos estádios de futebol. Seu comentário trouxe consigo uma onda de nostalgia, um sentimento de saudade daquelas tardes de domingo de futebol cheias de emoção e camaradagem.
Enquanto essa troca rica e cultural se desenrolava, ouvi ao fundo algo sobre ser "chuchu beleza". Essa expressão, aparentemente sem sentido para os ouvidos desavisados, transbordava um otimismo e satisfação que parecia faltar nos dias de hoje. E foi nesse momento que a senhorinha, timidamente acomodada em sua cadeira de rodas, compartilhou como seu marido era "cafona" nos tempos de cortejo, trazendo à tona risadas e lembranças de um tempo em que a moda e o comportamento social seguiam regras muito diferentes.
Aquela conversa inesperada trouxe um calor humano tão necessario na frieza da rotina médica. Saí do consultório não apenas com a informação de que precisava, mas com histórias, risadas e amizades que jamais esperaria fazer numa tarde de segunda-feira. Esquecer-me-ei talvez do motivo que me levou ao consultório naquela tarde, mas jamais esquecerei os personagens incríveis que transformaram minha espera em uma tarde repleta de lições, humor e, sobretudo, muita nostalgia.
Por: Wesley Faustino: historiador, pesquisador, escritor, especialista em Gestão Pública e Gestão Ambiental e ex-vice-prefeito de Ubatã. (Interiorano)